sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Bíblia


 I - A IMPORTÂNCIA DE ESTUDAR A BÍBLIA

Jamais, na história da explicação da bíblia, foi feito um estudo tão aprofundado da mesma, como nos últimos cem anos. Não há uma só frase ou palavra na bíblia que não tenha sido submetido a uma pesquisa em busca de seu sentido.
Existe hoje uma falta de comunicação entre nós e a bíblia. A bíblia fala e a sua fala nos é estranha. A culpa é de quem?
Diante disso, o objetivo do nosso estudo é clarear, esclarecer a vocês sobre as realidades da bíblia, restabelecendo assim uma comunicação.
Para estudar a bíblia é preciso:
-          ter objetividade e compreender a vivência daqueles que a escreveram;
-          a leitura da bíblia é sempre um diálogo;
-          a existência da bíblia pressupõe uma história, a história da humanidade;
-          a bíblia é uma história do homem e de Deus; é a nossa história.

A bíblia é um referencial escrito de uma comunidade de fé. Ela localiza a experiência de Deus na história que ela representa. Por isso a bíblia não pode ser um livro acabado, fechado; está sempre aberto e sujeito a novas interpretações:

Por exemplo:A libertação – êxodo; a páscoa de Jesus...
Aliança – Sinai; a Cruz de Cristo ( sangue sacrificado )...
                         Partir o pão com os discípulos – Ceia Pascal; Eucaristia doscristãos...

Assim como a pessoa humana estrutura sua vida, com base em etapas sucessivas, a Sagrada Escritura se estrutura ao longo da caminhada de fé das comunidades.
Pelo fato de sua postura sempre aberta a releituras, e que não é possível modificá-la, melhorá-la ou mesmo querer corrigí-la, reescrevê-la ou atualizá-la. O que ela significa já está aí.
Na bíblia Deus nos revela o mistério da vida. Nos mostra que a palavra de Deus é palavra humana. A bíblia mostra que Deus fala a nossa língua ( Ex. 33,11). Assim a bíblia é palavra de Deus: reflete a conversa que as pessoas de fé travaram com Deus, e essa conversa não termina.O conteúdo dessa conversa é a própria realidade da vida. Deus é maior que a bíblia, logo nem tudo que buscamos está ai.


Quando eu escrevo uma carta e o destinatário fica preso a imperfeição da forma e das palavras e esquece de esforçar-se para compreender além das imperfeições, essa pessoa não está interessada na comunicação. Não podemos ver na bíblia, apenas letra intocável, mas exige de nós compreensão da palavra humana.
Quando buscamos uma conversa com a bíblia, buscamos uma conversa com Deus, que ultrapassa as realidades imperfeitas e limitadas da vida humana.

Entretanto surge a pergunta: Para que serve a bíblia?

Do ponto de vista utilitário não serve para nada... Ela não tem receita pronta de nada; ela nos ajuda, pelo espírito que ela contem, a enfrentarmos os desafios que se nos apresenta no dia-a-dia. Esse espírito não se encontra nas palavras ou frases isoladas ou mesmo numa leitura material.
Assim a bíblia torna-se o livro da vida. Da vida da gente e da vida de Deus.
Hoje a mútua compenetração da Bíblia com a vida e a história do povo se dá não somente no culto, mas também em muitas outras oportunidades. A luz que vem da bíblia não vem apenas do trecho ou frase, mas de todo o espírito que permeia a Bíblia e o povo que dela se alimenta.A bíblia se move num movimento circular; a vida ilumina a bíblia e a bíblia ilumina a vida.
As tradições levavam a comunidade a lembrar sempre de suas origens. Uma tradição vem do norte, outra do sul, uma do Templo de Jerusalém, outra de grupos campestres. Umas mais antigas, outras mais novas.

 

Leitura e releitura;
Þ    Leitura inocente e leitura problemática
Þ    Leitura metodológica - método crítico:
1.      Crítico literário;
2.      Crítico histórico;
3.      Crítica textual
4.      Ciências auxiliares: arqueologia, história, sociologia, antropologia, etc.

1 - A Revelação: Natureza e Objetivo

“ Aprouve a Deus, revelar-Se e tornar conhecido o mistério de Sua vontade ( Ef. 1,9 ). Mediante esta revelação, Deus fala aos homens, como a amigos (Jo 15,14-15 ) para os convidar à comunhão consigo e nela os receber. Nesta revelação é manifestado o conteúdo profundo da verdade, seja a respeito de Deus ,da salvação do homem manifestada por meio da revelação em Cristo, mediador e plenitude de toda a revelação.
Nas coisas criadas Deus revela-Se (Rm 1,19-20) aos nossos primeiros pais e com a queda destes, com a prometida redenção (Gn 3,15) velou permanentemente pelo gênero humano. Chamando Abraão, ensinou por meio de Moisés e dos profetas, a reconhecê-lo como único Deus, Pai providente e justo juiz e a esperar o Salvador prometido. Assim preparou ao longo dos séculos o caminho para o Evangelho.
Depois de falar muitas vezes e de muitos modos, nos últimos tempos Deus falou-nos pelo seu Filho ( Heb. 1,1-2). Pela fé, torna possível e profunda a compreensão da revelação, a perfeiçoada pelo Espírito Santo por meio de seus dons.

2 - A Transmissão da Divina Revelação; os Apóstolos e seus Sucessores.
Por inspiração do Espírito Santo os apóstolos puseram por escrito a mensagem da salvação. E para que o Evangelho se conservasse inalterado e vivo na Igreja, os Apóstolos deixaram como sucessores os bispos ( EPISKOPOS ), a eles transmitindo o encargo do Magistério.
“EPISKOPOS – vigilante: no grego,é usado para indicar os administradores municipais, os vigilantes do Templo. O apostolado é considerado uma função do epíscopo – boa obra ( 1 Tm 3,1). Paulo chama os presbíteros de epíscopos (At 20,17) estabelecidos pelo Espírito Santo para apascentar a Igreja ao qual são pastores ( At 20,28). O próprio Jesus é chamado pastor e epíscopo das almas ( 1 Pd 2,25). As qualidades de um epíscopo (1 Tm 3,1-8;Tt 1,6-9;Tt 1,5 ). Os apóstolos nomeavam tais ministros para que administrassem as Igrejas por eles fundadas.
A instituição do episcopado monárquico – cada Igreja ser governada por apenas um epíscopo – não se encontra no Novo Testamento. Certamente pelo fato do governo da Igreja estar na mão do Apóstolo fundador e os epíscopos locais administrarem assuntos eclesiais. ( antes do fim do I séc. já existe Igrejas governadas por um único epíscopo: Inácio de Antioquia) Esses chefes passaram a ser eleitos a partir da morte dos apóstolos, com o objetivo de substituir-lhes.
O ofício de interpretar autenticamente a palavra de Deus escrita ou transmitida foi confiado unicamente ao magistério vivo da Igreja. É deste único depósito da fé é que (o Magistério) tira o que nos é proposto para ser crido como divinamente revelado. A Sagrada Tradição, a Sagrada Escritura e o Magistério da Igreja estão estreitamente entrelaçados e unidos que uns encontram consistência nos outros e cada um a seu modo, contribuem eficazmente para a salvação das almas.

 

3 - A inspiração divina da Sagrada Escritura

O A.T. e o N.T. são de inspiração divina porque tem Deus como autor ( Jo 20,31; Heb 4,7 ). A palavra de Deus expressa em línguas humanas se fizeram semelhantes à linguagem humana tal como outrora o Verbo do Pai Eterno, havendo assumido a carne da fraqueza humana, se fez semelhante aos homens.

 

4 - A Sagrada Escritura na vida da Igreja

Deus vem por meio do Espírito Santo ao encontro de seus filhos e com eles fala. E é tão grande o poder e a eficácia que se encerra na palavra de Deus que ela constitui sustentáculo e vigor para a Igreja de Deus, firmeza da fé, alimento da alma, perene fonte da vida espiritual: “ É viva e eficaz a palavra de Deus” ( Heb. 4,12 ).




II. AS ORIGENS DA BÍBLIA

“da palavra oral à palavra escrita”

O campo pré-literário dos escritos do Antigo Testamento não é um terreno confiável. Uma das formas de chegada a ele é o “folclore”.

Estudando o folclore descobre-se o que chamou-se“tradição oral”. Essa tradição é marca registrada de todos os povos antigos ( período pré-literário ).
O contexto da tradição oral é marcado por:
Þ    Tradição transmitida por particulares (sacerdotes, poetas);
Þ    Não se dava de forma coletiva;
Þ    Sociedade familiar patriarcal – a comunidade formada por uma estirpe ou uma família constituindo-se órgão de controle que assegura a autenticidade das tradições orais;
Þ    Os narradores individuais tinham função ativa frente à comunidade que mantinha função passiva;
Þ    A conservação inalterada da tradição oral era obtida por uma técnica de memorização;
Þ    No centro da história transmitida oralmente, das famílias e dos povos acham-se as pessoas individuais, os heróis do passado. Dos episódios particulares, das lembranças e contos, inicialmente independentes uns dos outros, vão-se formando ao longo dos tempos, as cadeias de relatos. Os fatos e experiências de toda a estirpe integram-se de tal maneira que o chefe de família posto em destaque se torna uma “personalidade representativa do povo, onde o povo todo se reconhece: Abraão, Moisés, Isaac, Jacó, José, Davi, Salomão, etc.”
Þ    O narrador se mostra como o guarda das tradições da família.
Þ    Os acontecimentos marcantes eram transformados pela tradição oral em celebração, hinos e utilizados para despertar as consciências e dar impulso à vida do povo.
Þ    A tradição oral era dirigida a todo povo. Aquilo que as vezes era de cunho particular passava a ter caráter coletivo, de toda a estirpe.

Após um longo período de tempo e com a evolução cultural (sobretudo com a evolução da escrita) a tradição oral entra em declínio. Correndo o risco de perder de vista o conteúdo informativo em vista das gerações futuras.
O período de transição se deu no período da passagem do “nomandismo para a vida sedentária”.
Os nômades se sedentarizam; por que?
- contração de dívidas;
- acúmulo de riqueza e investimento, outros.

Os grandes centros (sedentários) datados de 4.000 a.C. (Egito e Mesopotâmea)  com os escritos hieroglíficos; com a evolução surgiram as letras nas regiões sírio-palestinenses, por obra dos fenícios na cidade de nome Biblos.
A escrita hebraica sofreu modificação percorrendo numerosos estágios. Somente depois do exílio (586 – 538 a.C. ) é que a escrita hebraica assume caráter definitivo.
O “povo de Israel”, anterior ao século X a.C., compreende a uma multiplicidade de famílias ou grupos genealógicos. A constituição propriamente dita do povo de Israel se deu como tradição oral.

As origens de Israel:há uma tentativa de compreender Israel como apenas uma comunidade tribal, ou uma união de comunidades religiosas dispersas. Toda a estrutura do Israel antigo: as instituições básicas da sociedade – realeza, lei, culto e educação era alicerçada no fundamento religioso. Aí, o sagrado e o profano não tem distinção, como hoje. A idéia de religião tinha grande influência na vida do homem do Israel antigo. A idéia de Deus preenchia todos os espaços. Tudo isso porque fora da moral religiosa era quase impossível promover uma ordem saudável e aceitável. Assim os profetas são, para alguns, reformadores e renovadores éticos. Só nas últimas décadas que deram valor aos elementos econômicos, políticos e institucionais com que agiram os profetas.
O primeiro traço marcante do Israel antigo foi a busca e a conquista da terra “não há povo sem terra”: ( tradições históricas preservadas nos livros de Josué e Juizes, como o tema religioso da promessa divina que permeia o Pentateuco.
O segundo traço foi o governo central ( instituição da monarquia) que não só serve para Israel como para os povos vizinhos constituíam princípio e identidade da nação. A pessoa do rei é o elo de ligação entre o divino e o humano, dando ao rei uma validade eterna.

ISRAEL EM SUA SITUAÇÃO HISTÓRICA E CULTURAL
Todo o Pentateuco é uma fonte que nos oferece um núcleo histórico onde encontramos uma primeira veia de nacionalidade. Com as investigações arqueológicas de muitos lugares bíblicos; a preocupação em descobrir a origem da constituição histórica do povo de Israel. O Pentateuco – carta de constituição do Israel como povo de Deus - nos fornece alguns elementos importantes: a forma social e política assumida por esse povo. Como entidade histórica não está definido fatores culturais, éticos além de tradições históricas que apresentam um quadro da identidade e do destino de Israel.
Paralelo ao povo de Israel temos os povos vizinhos, que a seu modo contribuíram com sua organização. Os povos e as comunidades incorporavam os princípios e a identidade da nação.
No período do império o rei era o laço indispensável entre o mundo divino e o humano que dava à nação uma forma de validade eterna.

CONTEXTO SOCIAL E SENTIDO TEOLÓGICO
É historicamente importante o desenvolvimento que originam preocupações manifestadas de forma crítica em relação a história religiosa, também causando desvios significativo no papel desempenhado pela Bíblia na teologia.
Para entender a literatura do Antigo Testamento como oferta de testemunho da existência e dos desígnios de Deus.O conceito de aliança entre Deus e Israel como ponto estrutural de unidade para interpretar o sentido teológico o Antigo Testamento.

Grupos de Famílias:
- grupo-Lia: tribos de Rubem, Simeão, Levi e Judá ( Gn 29,31-35)
- grupo-Raquel: pertencem as tribos de José ( Gn 30,22 –24 ) e Benjamim (Gn 35,16-18 ). O grupo-Lia estabeleceu-se na terra de Canaã em épocas anteriores que o grupo- Raquel. A própria saída do Egito não foi toda de uma única vez. Cada família conservou elementos importantes para seu povo: Ur, na caldéia (Dt 25,5 )
A união das tradições orais diversas veio a constituir o povo de Israel. Essas não eram iguais, divergindo umas das outras; até quanto ao conteúdo. Cada uma limitavam aos seus antepassados criando uma estirpe genealógica. Cada estirpe encarna a vida de toda a família.
Þ    A vida nomândica marcou decisivamente a imagem de Deus desses tempos primitivos. A imagem de Deus das tradições orais se prendem a determinados lugares: o Deus de Isaac, de Jacó, de Abraão, dos pais; é um Deus Nômade.
Quanto mais os grupos familiares nômades iam entrando em contato com populações de vida e cultura sedentária, mais a idéia de Deus, os cultos religiosos, se viam obrigados a limitar, corrigir ou impor sua religião.Ex:Ex 20,1s - código da família; Ex 20,22s – culto religioso; Ex 25 construção do Santuário.
As tradições apresentam características próprias frente a experiência religiosa das famílias:
Þ    A tradição ou fonte javista “Javé” como nome divino, ou termo para expressar a divindade;
Þ    A tradição eloista “Elohim”;
Þ    Sacerdotal “Javé”;
Þ    Tradição Deuteronomista. As fontes escritas javistas e eloistasnos descrevem o caminho de Abraão a Moisés, deduzidas do Pentateuco.

A base da fé do povo de Israel é intinerante – nomândica. A própria Arca da Aliança esta na tenda e acompanhava a marcha do povo.
A formação do A.T. é importante para uma compreensão da dinâmica interna da bíblia, de modo particular aspectos teológicos da interpelação bíblica.
O período de início da Escritura (Cativeiro da Babilônia) é marcado por uma crise religiosa: perigo do desaparecimento da fé judaica e do povo – a Escritura Sagrada torna-se centro de unidade e identidade do povo.

Não é possível falar da vida e da estrutura do povo de Israel de modo uniforme: varia de acordo com as épocas, lugares e origens. Com o tempo se destacam duas tribos – Judá – no sul e Israel no norte: mais tarde tornaram-se reinos de destaques.
Períodos importantes da história do povo de Deus:
- período da sociedade tribal;
- período da monarquia;
- período do pós-exílio;

A terra: a terra de Israel – é conhecida como “Palestina”. Este nome não é bíblico, vem dos gregos antigos. O Império Romano chamou a região de “Judéia”. Hoje compreende o Estado de Israel – judaico; e o Estado Palestino – palestino e árabes. A capital é Jerusalém. Nos tempos remotos do povo bíblico chamava-se “Canaã”: seus habitantes, por volta de 1.300a.C. eram chamados cananeus.


REVELAÇÃO

A Constituição Dogmática “Dei Verbum” Sobre a Revelação Divina, do Concílio Vaticano II, representa o que se tem de maior expressão de valorização da palavra de Deus desde a comunidade apostólica. Esta palavra propõe uma comunicação. Entretanto, manifesta-se como uma idéia muito ampla. A percepção da realidade do mistério de Deus é limitado a certos indivíduos dotados de dons especiais que mantém um relacionamento especial com o divino. Essa revelação, assumindo caráter geral, é considerada universal, firmando-se como tradição no correr do tempo.
A revelação era o vértice dos cultos mistéricos do mundo helenístico. A observação sobre o caráter geral da revelação na religião ajudará a tornar clara a natureza única da revelação bíblica. As religiões do mundo antigo praticadas nas culturas que Israel conheceu melhor, acreditavam que a revelação era obtida através da adivinhação, dos mitos e rituais.

No AT. A primitiva religião israelita apresenta vias através das quais se consultava o divino: por meio da adivinhação; consideração por sinais e presságios ( Gn 24,12ss; 25,21ss; 1 Sm 15,27ss). A função do vidente era de responder as perguntas de forma misteriosa ( 1Sm 9,6ss; 9,15ss; 2Sm 24,11). Às vezes o sonho era o meio de comunicação divina. O recurso oracular ao Urim e Tumim era usado em fase remota, primitiva da fé e da religião hebraica ainda não esclarecida. ( instrumentos com os quais se pode consultar Iahweh.1Sm 28,6.- Ex 28,30; Lv 8,8 - podem ser considerados amuletos. Em tradições mais recentes, esses figuravam apenas como adornos, objetos decorativos das vestes litúrgicas. certamente que com o início da monarquia, com a atuação dos profetas, essa prática de oráculos perde sua força.)
Um pressuposto fundamental da revelação do AT. É que Iahweh é um Deus vivo (Dt 5,23; Js3,10;Is 37,4). Sua vitalidade consiste em oposição à confusa identificação dos deuses estranhos com suas imagens que não falam, nem ouvem e nem agem. A vitalidade de Iahweh é percebida em suas palavras e ações, que são sua automanifestação, sua revelação. Israel conhece Iahweh como um ser antropomórfico, mas totalmente diferente do homem e é uma realidade pessoal única, que se dá a conhecer como pessoa.
O fato fundamenta da história onde Iahweh se manifesta como senhor é o Êxodo de Israel do Egito. Esta manifestação é constantemente evocada pelos profetas (Jr 7,22; Os 1,11; Am 2,10); eles não apresentam uma nova automanifestação de Iahweh – eles apenas recordam a Israel que Iahweh já se deu a conhecer.
Iahweh se manifesta também como criador da natureza;Iahweh se revela no juízo; esse é um aspecto particular de sua automanifestação na história. Ele aparece na queda das nações ( Is 13;Jr 25,12ss; Am 1,32,3 ); revela-se no juízo sobre Israel ( Ez 6,14; 7,9.27; 12,20;13,23 ).
A revelação de Iahweh é finalmente destinada a todos os povos através de Israel ( Is 2,2-4 = Mq 4,1-3 ). Todas as nações experimentam a automanifestação de Iahweh na história e na natureza, mas não tem a manifestação feita na eleição e na aliança. Em particular eles não tem a “palavra” de Iahweh. As ações de Iahweh necessitam de um intérprete; e, em Israel, pode-se distinguir uma corrente tríplice de revelação que interpreta suas ações.
1. Moisés: por sua posição de comunicação face a face com Iahweh( Ex 33,11; Nm 12,6ss;Dt 34,10 ). A lei é a vontade de Iahweh que estabeleceu a aliança e dita modelos de conduta para Israel. A natureza e a história não manifestam os imperativos morais que Iahweh impõe sobre Israel. Essa é a melhor fonte, o melhor exemplo de revelação preservado na tradição e codificado na escrita. Moisés não teve sucessores, mas os sacerdotes como os interpretes da lei foram porta-vozes da vontade revelada de Iahweh.
2. O profetismo; a revelação na profecia é normalmente concebida como a recepção da palavra. O profeta experimenta a atividade presente de Iahweh na história e na natureza e interpreta as ações de Iahweh de acordo com a palavra que lhe é dada, intuição mística da presença da realidade divina. Ele descobre de acordo com a palavra, a vontade de Iahweh para Israel no presente e seus planos para o futuro e orienta como Israel deve se submeter a esses planos.
3. A sabedoria; ela não trata de eventos cósmicos e históricos, mas da vontade de Iahweh, como ele governa os fatos ordinários da vida da pessoa individualmente. Assim, em todas essas três correntes, a revelação, a automanifestação de Iahweh como senhor da história, criador e senhor da natureza e fonte de lei e de conduta sábia, é vista como o fator que regula a vida e a fé israelita até o ponto que já não existe outro fator. Assim o resultado da revelação no AT. é o conhecimento, não o conhecimento filosófico do discernimento, mas o conhecimento da realidade pessoal viva e ativa de Iahweh, experiência de Iahweh como ele é e como age.

No NT.  - Os Evangelhos Sinóticos não tratam da idéia da revelação, e é claro porque não o fazem: Jesus é a automanifestação de Deus, e, relatando a sua vida, morte e ressurreição, eles propõem o termo definitivo da revelação. Isso é visto na história simbólica do batismo de Jesus (Mt 3,13-17; Mc 1,19-11;Lc 3,21-22). Quando Jesus aparece pela primeira vez em público, os céus se abrem e ouve-se a voz do pai, a voz que falou a palavra de Iahweh no AT, que confirma Jesus como seu Filho, e, ao mesmo tempo, o Espírito se torna visível, o Espírito que Jesus comunica aos que crêem nele. Se se considera a lei como a revelação fundamental do AT, compreende-se Jesus quando diz que veio para cumprir a lei; com isso ele afirma um pé de igualdade com a lei, enquanto revelação, e com Moisés, enquanto intérprete da lei; Ele se propõe como aquele que os antigos desejaram ver e ouvir e não alcançaram (Mt 13,16-17; Lc 10,23-24). Ele não somente continua os profetas, mas também é a plena revelação do que os profetas predisseram. Aquele que aceita em Jesus o Cristo, o faz em virtude de uma revelação recebida do Pai (Mt 16,17). O texto mais formal concernente à revelação se encontra em (Mt 11,25-27; Lc 10,21-22): Jesus recebeu todas as coisas do pai; só Ele conhece o Pai, e ninguém pode conhecer o Pai senão através da revelação do Filho. Jesus é a revelação do Pai.

Atos e Epistolas. - Em Jesus a revelação do AT. alcança a sua plenitude; aquilo que Deus falou pelos profetas ele o tornou inteiramente claro em seu Filho (At. 3,17-26; 10,36-43; Hb1,1; !Pd 1,11-12). Ao se dirigirem aos judeus, os apóstolos julgaram necessário enfatizar a continuidade do processo de revelação desde Moisés aos profetas, a Jesus.
Paulo acha necessário insistir sobre a origem divina do evangelho que prega. Ele recebeu-o da revelação de Jesus Cristo (Gl 1,12-16); não é palavra de homem, mas palavra de Deus(1Ts 2,13). É o evangelho que ele recebeu do Senhor (1Cor 15,1ss; 11,23 ). A revelação é a fé, aquilo que é crido (Gl 3,23); é a doutrina dos apóstolos (Rm 6,17; 16,17). Aquilo que é revelado é mistério, o plano divino da salvação (Rm 16,25-26; Cl 1,26), dado a conhecer mediante o Espírito aos apóstolos e aos profetas ( Ef 3,3-5). Para Paulo, Jesus é A revelação, o cumprimento da profecia e da lei, a sabedoria e o poder de Deus.

João. Nos escritos joaninos a idéia de revelação parece ser apresentada mais conscientemente do que nos outros escritos do NT.  Jesus é a automanifestaçãode Deus; João afirma sublimente como o título joanino de Verbo (Jo 1,1-18). Jesus é o Unigênito que revela Deus não visto pelos homens. Em João, Jesus não é apenas revelação, ele é também o revelador e fala do que viu junto do Pai (Jo 3,11-13. 31-33). A palavra de Jesus é a palavra daquele que o enviou (Jo5,24). Quem vai a ele ouve a voz do Pai e é instruído por Deus (Jo 6,45-46). A doutrina de Jesus não é sua, mas é a doutrina de Deus, que o enviou (Jo7,16,17). Ele proclama a verdade que ele ouviu daquele que o enviou (Jo8,26), e fala daquilo que viu junto do pai (Jo 8,38). O Espírito completa a revelação de Jesus, e ensinará aos apóstolos todas as coisas (Jo 14,26); ele lhes ensinará toda a verdade, a verdade que ele ouviu (Jo 16,13). Essa ênfase em João, sem dúvida, se origina de alguma necessidade peculiar das comunidades cristãs do tempo e lugar onde surgiu o evangelho.

John L. Mckenzie, Dicionário Bíblico, Paulus 1984.



A Constituição Dogmática “Dei VerbumSobre a Revelação Divina, expõe a genuína doutrina acerca da Revelação Divina e de sua transmissão a fim de que pelo anúncio da salvação, o mundo inteiro ouvindo creia, crendo espere, esperando ame.

Principais ideias e intenções

A sagrada Tradição, portanto, e a Sagrada Escritura estão ìntimamente unidas e compenetradas entre si. Com efeito, derivando ambas da mesma fonte divina, fazem como

que uma coisa só e tendem ao mesmo fim. A Sagrada Escritura é a palavra de Deus enquanto foi escrita por inspiração do Espírito Santo; a sagrada Tradição, por sua vez, transmite integralmente aos sucessores dos Apóstolos a palavra de Deus confiada por Cristo Senhor e pelo Espírito Santo aos Apóstolos, para que eles, com a luz do Espírito de verdade, a conservem, a exponham e a difundam fielmente na sua pregação; donde resulta assim que a Igreja não tira só da Sagrada Escritura a sua certeza a respeito de todas as coisas reveladas. Por isso, ambas devem ser recebidas e veneradas com igual espírito de piedade e reverência

 

 

CAPÍTULO I: A REVELAÇÃO COMO TAL


NATUREZA E OBJETIVO DA REVELAÇÃO
Aprouve a Deus, em sua bondade e sabedoria, revelar-Se a Si mesmo e tornar conhecido o mistério de Sua vontade (Ef 1,9), pelo qual os homens, por intermedio do Cristo, Verbo feito carne, e no Espírito Santo, tem acesso ao Pai e se tornam participantes da natureza divina (Ef 2,18; 2Pd 1,4). Mediante esta revelação, portanto, o Deus invisível, levado por seu grande amor, fala aos homens como a amigos (Jo15,14-15), e com eles se entretém, para os convidar à comunhão consigo e nela os receber. Este plano de revelação se concretiza através de acontecimentos e palavras intimamente conexos entre si, de forma que as obras realizadas por Deus na História da Salvação manifestam os ensinamentos e as realidades significadas pelas palavras. No entanto, o conteúdo profundo da verdade seja a respeito de Deus seja da salvação do homem se nos manifesta por meio dessa revelação em Cristo que é ao mesmo tempo mediador e plenitude de toda a revelação.

CRISTO, PLENITUDE DA REVELAÇÃO
Depois de ter falado muitas vezes e de muitos modos pelos profetas, Deus “ultimamente, nestes dias, falou-nos pelo Filho” (Heb 1,1-2). Com efeito, Ele enviou Seu Filho, o Verbo eterno que ilumina todos os homens, para que habitasse entre os homens e lhes expusesse os segredos de Deus (Jo 1,1-18). Jesus Cristo, portanto, Verbo feito carne, enviado como “homem aos homens”, profere as palavras de Deus (Jo3,34) e consuma a obra salvífica que o Pai lhe confiou (Jo 5,36; 17,4). Eis por que com sua vida e enviando-nos o Espírito Santo de verdade, aperfeiçoa e completa a revelação e a confirma com o testemunho divino que Deus está conosco para libertar-nos das trevas do pecado e da morte e para ressuscitar-nos para a vida eterna.A economia cristã, pois, como aliança nova e definitiva, jamais passará e já não há que esperar nenhuma nova revelação pública antes da gloriosa manifestação de Nosso Senhor Jesus Cristo ( 1Tim 6,14 e Tito 2,13).A fim de tornar sempre mais profunda a compreensão da Revelação, o mesmo Espírito Santo aperfeiçoa continuamente a fé por meio de seus dons.

AS VERDADES REVELADAS
Pela revelação divina quis Deus manifestar-se e comunicar-Se a Si mesmo e os decretos eternos de sua vontade acerca da salvação dos homens, “ a saber, para fazer participar os bens divinos, que superam inteiramente a capacidade da mente humana”.
Professa o Sagrado Sínodo que “Deus, princípio e fim de todas as coisas, pode ser conhecido com certeza pela luz natural da razão humana partindo das coisas criadas” (Rom 1,20); mas ensina que se deve atribuir à Sua revelação o fato de “mesmo na presente condição do gênero humano poderem ser conhecidas por todos facilmente com sólida certeza e sem mistura de nenhum erro aquelas coisas que em matéria divina não são de per si inacessíveis à razão humana”.


CAPÍTULO II:TRANSMISSÃO DA DIVINA REVELAÇÃO


OS APÓSTOLOS E SEUS SUCESSORES PREGOEIROS DO EVANGELHO
Deus dispôs com suma benignidade que aquelas coisas que revelara para a salvação de todos os povos permanecessem sempre íntegras e fossem transmitidas a todas as gerações. Por isso o Cristo Senhor, em quem se consuma toda a revelação do Sumo Deus (2 Cor 1,20; 3,16-4,6 ), ordenou aos Apóstolos que o Evangelho, prometido antes pelos profetas, completado por Ele e por sua própria boca promulgado, fosse por eles pregado a todos os homens como fonte de toda verdade salvífica e de toda disciplina de costumes, comunicando-lhes dons divinos.
Mas para que o Evangelho sempre se conservasse inalterado e vivo na Igreja, os Apóstolos deixaram como sucessores os bispos, a eles “transmitindo o seu próprio encargo de magistério”. Portanto esta Sagrada Tradição e Sagrada Escritura de ambos os Testamentos são como o espelho em que a Igreja peregrinante na terra contempla a Deus, de quem tudo recebe, até que chegue a vê-lo face a face como é (1Jo 3,2).


Compêndio Vaticano II – constituições, decretos e declarações, Vozes, Petrópolis 1997


A REVELAÇÃO DE DEUS


DEUS VEM AO ENCONTRO DO HOMEM


Na primeira parte do Catecismo da Igreja Católica, tratando da Profissão de Fé, no segundo capítulo, apresenta a Revelação de Deus:

I - Deus revela seu “projeto benevolente”

“Aprouve a Deus, em sua bondade e sabedoria, revelar-se a si mesmo e tornar conhecido o mistério de sua vontade, pelo qual os homens, por intermédio de Cristo, Verbo feito carne, no Espírito Santo, tem acesso ao Pai e se tornam participantes da natureza divina”.
Deus, que “habita uma luz inacessível” (1Tm 6,16), quer comunicar sua própria vida divina aos homens, criados livremente por ele, para fazer deles, no seu Filho único, filhos adotivos. Ao revelar-se, Deus quer tornar os homens capazes de responder-lhe, de conhecê-lo e de amá-lo bem além do que seriam capazes por si mesmos.
O projeto divino da redenção realiza-se ao mesmo tempo “por ações e por palavras, intimamente ligadas entre si e que se iluminam mutuamente”. Este projeto comporta uma “pedagogia divina” peculiar: Deus comunica-se gradualmente com o homem, prepara-o por etapas a acolher a Revelação sobrenatural que faz de si mesmo e que vai culminar na Pessoa e na missão do Verbo encarnado, Jesus Cristo.



AS ETAPAS DA REVELAÇÃO: DESDE A ORIGEM, DEUS SE DÁ A CONHECER
“Criando peloVerbo o universo e conservando-o, Deus proporciona aos homens, nas coisas criadas, um permanente testemunho de si e, além disso, no intuito de abrir o caminho de uma salvação superior, manifestou-se a si mesmo, desde os primórdios, a nossos primeiros pais”.
Esta revelação não foi interrompida pelo pecado de nossos primeiros pais. Deus, com efeito, “após a queda destes, com a prometida redenção, alentou-os a esperar uma salvação e velou permanentemente pelo gênero humano, a fim de dar a vida eterna a todos aqueles que, pela perseverança na prática do bem, procuram a salvação”.
A Aliança com Noé depois do dilúvio exprime o princípio da economia divina para com as nações, isto é, para com os homens agrupados “segundo seus países, cada um segundo sua língua, e segundo seu clã” (Gn 10,5).
Deus elege Abraão para congregar a humanidade dispersa. O povo oriundo de Abraão será o depositário da promessa feita aos patriarca, o povo da eleição, chamando a preparar o congraçamento, um dia, de todos os filhos de Deus na unidade da Igreja; será a raiz sobre a qual serão enxertados os pagãos tornados crentes.
Deus forma seu povo Israel: Depois dos patriarcas Deus formou Israel comoseu povo salvando-o da escravidão do Egito. Fez com ele a Aliança do Sinai e deu-lhe, por intermédio de Moisés, a sua Lei, para que o reconhecesse e o servisse como o único Deus vivo e verdadeiro, Pai providente e juiz justo, e para que esperasse o Salvador prometido.
Israel é o povo sacerdotal de Deus, aquele que traz o nome do Senhor ( Dt 28,10). Por meio dos profetas Deus forma seu povo na esperança da salvação, na expectativa de uma aliança nova e eterna destinada a todos os homens, e que será impressa nos corações.

 

CRISTO JESUS “MEDIADOR E PLENITUDE DE TODA A REDENÇÃO”

Deus tudo disse no seu Verbo. Cristo, o Filho de Deus feito homem, é a Palavra única, perfeita e insuperável do Pai. Nele o Pai disse tudo, e não haverá outra palavra senão esta.
Não haverá outra revelação: A economia cristã, como aliança nova e definitiva, jamais passará, e já não há que esperar nenhuma nova revelação pública antes da gloriosa manifestação de Nosso Senhor Jesus Cristo. Todavia, embora a Revelação esteja terminada, não está explicitada por completo; caberá à fé cristã captar gradualmente todo o seu alcance ao longo dos séculos.
No decurso dos séculos houve revelações denominadas “privadas”, e algumas delas têm sido reconhecidas pela autoridade da Igreja. Elas não pertencem, contudo, ao depósito da fé. A função delas não é melhorar ou completar a revelação definitiva de Cristo, mas ajudar a viver dela com mais plenitude em determinada época da história. Guiado pelo Magistério da Igreja, o senso dos fiéis sabe discernir e acolher o que nessas revelações constitui um apelo autêntico de Cristo ou de seus santos à Igreja.
A fé cristã não pode aceitar revelações que pretendam ultrapassar ou corrigir a Revelação da qual Cristo é a perfeição.






 

A FORMAÇÃO DOS EVANGELHOS SINÓTICOS




BIBLIOGRADIA:


HARRINGTON. Wilfred J. OP, Chave para a Bíblia, a revelação, a promessa, a realização, Edições Paulinas, São Paulo, l985  pp 424 a 439
                     
DEI VERBUM. COMPÊNDIO VATICANO II, constituições, decretos, declarações, 26 Edição, Editora Vozes, Petrópolis, 1997 dos números 7 a 19

REVISTA 30 DIAS, AnoX  número 1, janeiro de 1996 p 41


Falar dos evangelhos é falar de Jesus Cristo. A realidade de Jesus de Nazaré nos é apresentada pelos evangelistas Marcos, Mateus, Lucas e João. Eles nos mostram que Jesus não fez de si mesmo o centro de sua pregação e missão, mas isso nos pode ser pressuposto a partir da fé. A vida de Jesus aparece centrada no que podemos chamar de “fazer a vontade do Pai”.
Hoje, nos tempos modernos, o homem faz muitas perguntas e procura, com seus métodos as respostas para as mesmas. A pesquisa histórico-crítica dos evangelhos tem mostrado que os evangelhos são o resultado final de um longo processo de reflexão, pregação contendo pouco do Jesus histórico; como ele foi e viveu, mas muito das palavras de Cristo, a partir da reação de fé das comunidades confrontando-as com as situações vitais do seu meio ambiente. No campo pastoral encontramos interrogações que nos inquietam e nos traz a desconfiança e nos impulsiona a buscar as verdades que nos escapam ao tempo, por meio de uma hermenêutica buscando compreender melhor os fatos atuais a luz da fé.  Uma das questões que se coloca é, como as comunidades recolheram as informações sobre Jesus de Nazaré e como escreveram os evangelhos?  Como as primeiras comunidades foram vivendo essa experiência com Deus a ponto de se tornarem Palavra de Deus e consequentemente critério de leitura para as gerações futuras? 
A história da formação dos evangelhos foi assunto de muita polêmica. A DeiVerbumtraz o resultado dessa longa pesquisa. A vivência que enriqueceu a formação dos evangelhos é alimentada pela fé e não só pela ciência que o investiga. A certeza que nos vem do passado é que Cristo está vivo hoje ( Mt 28,20 ).
A fé na ressurreição é a fonte que gerou os quatro Evangelhos. Graças a essa nova luz percebemos o sentido das palavras e gestos de Jesus. A vivência como discípulo cria o ambiente de comunidade onde é possível viver e enfrentar os problemas e conflitos. O desejo de conhecer o Cristo vivo, a luz e a força do Espírito de Jesus são o dinamismo da atualização permanente a Palavra de Jesus. Sem o Espírito santo não seria possível descobrir o sentido que os evangelhos tem para nós hoje.
Para entendermos melhor esse processo podemos dizer que o anúncio da Boa Nova da ressurreição de Jesus, suscita comunidades a viver e partilhar a vida nova em Cristo. As comunidades se espalham pelo mundo e em cada realidade aparecem diferentes maneiras de se transmitir as palavras de Jesus. Com a morte dos apóstolos vem o desejo de conservar tudo o que eles tinham transmitido de Jesus. Surgem as primeiras coleções de ensinamentos sobre Jesus.
Por volta dos anos 70 foram escritas várias sínteses do que as comunidades transmitiram sobre Jesus, porém apenas quatro dessas foram conservadas no Novo Testamento. São elas Mc (comunidade da Itália); Mt (comunidade Síria Palestina); Lc. (comunidade da Grécia); Jo. (comunidade Ásia Menor).
Olhando para a realidade dos evangelhos é possível Ter uma visão da realidade do povo, de como eles olhavam para Jesus, e sua visão de Igreja, etc. Os evangelhos contêm pouco do Jesus histórico, mas muito da reação de fé dos primeiros cristãos. Eles não são somente livros que falam de Jesus, mas que relatam tradições e o desenvolvimento dogmático da Igreja primitiva. É possível perceber no estudo das tradições, o trabalho teológico e interpretativo das comunidades primitivas. Em cada evangelho é possível perceber, pela crítica redacional, as perspectivas teológicas próprias e individuais a cada evangelista. Em cada evangelho temos um testemunho de fé sobre o significado da vida, morte e ressurreição de Jesus e não uma biografia de Jesus. Leonardo Boff escreve em seu livro, Jesus CristoLibertador que “a tradição da comunidade primitiva conservou de Jesus somente o que representava alguma função para a vida e a fé da respectiva comunidade” (cf. Jesus Cristo Libertador, p. 226 ).
Jesus e sua história misturaram-se radicalmente com a história da fé e dos homens, que não podem mais ser separados embora possam ser distinguidos.
Perguntar por uma pessoa é perguntar por um mistério. Perguntar por Cristo é perguntar por nós mesmos. Revelando-se a nós, Ele prolonga sua “encarnação” no meio de seu povo, revelando sua face, tornando-se conhecido e amado. É essa a experiência dos primeiros cristãos (comunidade apostólica) e a nossa hoje. Dessa forma, a Dei Verbum, nos mostra que os autores sagrados escreveram os quatro evangelhos escolhendo certas coisas das muitas transmitidas oralmente, ou já por escrito fazendo uma síntese, explanando-as com vista à situação das Igrejas, conservando, em fim à forma de proclamação sempre de maneira a referir-nos a respeito de Jesus com verdade e sinceridade.
Eles nos narraram fatos acontecidos, não todos, transmitidos pela redação das testemunhas diretas, movidas pela urgência e pelo dever de divulgar estes acontecimentos às pessoas e às Igrejas. O anúncio dos evangelhos foi feito à luz da ressurreição e da vinda do Espírito Santo, que permitiu uma mais completa inteligência do mistério da salvação presente nos fatos narrados. Segundo a dei Verbum, sem a experiência presente da ação do Espírito de Jesus, a Sagrada Escritura seria apenas um livro do passado sem nenhuma implicação com a nossa vida. Essa ação do Espírito é necessária para a leitura dos evangelhos. As palavras e gestos de Jesus narrados pelos evangelhos podem ser reconhecidos, acolhidos e compreendidos como pertencentes ao mistério de salvação.
A exegese deve ser ao mesmo tempo crítica, atentaaos modernos métodos abertos à profundidade contida no próprio texto. A exegese moderna contribuiu para esclarecer o enigma da formação dos evangelhos: tiveram sua formação e desenvolvimento a partir da tradição oral, através de relatos diversos escritos antes da composição que temos hoje. Cada um, a seu modo, colocou diante de nós a vida de Jesus e seu sentido. Graças a esse “sentido” foi possível fazer uma seleção de numerosos fatos e pormenores que aconteceram. A tarefa do exegeta é penetrar na forma de expressão do evangelista, e que seja capaz de descobrir a mensagem que deseja exprimir. Esses evangelistas escreveram para uma comunidade de fiéis e o que mais os interessava era o sentido e não a história – palavras e atos de Jesus. É válido ressaltar a forma literária característico de cada autor, a ênfase diversificada e pessoal de cada um, o conteúdo vivenciado por cada comunidade, etc. Porém, negar a importância dos fatos históricos acarretaria a negação da essência do evangelho. O único fato que se mostra fundamental é o acontecimento Jesus, onde a auto-revelação de Deus está centralizada na vida – ensino – morte – ressurreição e exaltação de Jesus Cristo, o Filho de Deus.


Para os autores medievais, o Verbo Encarnado era a síntese de tudo aquilo que Deus queria dizer aos homens. No número 18 da Dei Verbum encontramos que a primazia dos evangelhos está na revelação do testemunho da vida e doutrina do Verbo Encarnado, nosso Salvador. Em Mt., Mc., Luc. eJo. Estão escritos o que são o fundamento da fé cristã. O número 19 diz que; “os apóstolos, após a ascensão do Senhor, transmitiram aos ouvintes aquilo que Ele dissera e fizera, com aquela mais plena compreensão de que gozavam (...) e esclarecidos pela luz do Espírito da verdade” (cf. Dei Verbum, número 19).
Todas as revelações contidas ao longo da história da salvação encontram em Jesus Cristo a sua plenitude – as verdades a respeito de Deus, salvação do homem – pois Jesus é ao mesmo tempo mediador e plenitude de toda a revelação.
Desde o Gênese passando pelos patriarcas, Juízes, Reis e Profetas, Deus preparou-nos o caminho para o Evangelho. “Jesus consuma a obra salvífica que o Pai lhe confiou”(cf. Jo. 5,36; 17,4 ). Os evangelistas não se esforçam muito para relatar todos os fatos históricos; limita-se a apresentar os acontecimentos como ele, e por trás dele, a sua comunidade, os enxergam com os olhos da fé, como toda inspiração das Escrituras, cuja visão é guiada pelo Espírito. É preciso ir além dos evangelistas, porque, mesmo nos dando um relato, não são eles os autores. Foi a Igreja primitiva – os apóstolos – quem modelou o evangelho básico, segundo o ponto de vista de cada um. Assim, aparecem três estágios: Jesus Cristo, a Igreja apostólica e os evangelistas. Sem esses não é possível entender os evangelhos.
A teologia dos evangelistas não é uma interpretação privada, mas a que os primeiros cristãos nos apresentam sob a inspiração do Espírito. Fala-nos a Dei Verbum no número 7;       “(...) para que o evangelho sempre se conserve inalterado e vivo na Igreja, os Apóstolos deixaram como sucessores os bispos, a eles transmitindo o seu próprio encargo de magistério (...)”, e continua no parágrafo terceiro do número 8 dizendo: “(...) e o Espírito Santo pelo qual  a voz viva do evangelho ressoa na Igreja e através dela no mundo”. No número 10 do mesmo documento, afirma que o ofício de interpretação autêntica da Palavra de Deus, escrita ou transmitida oralmente foi confiada unicamente ao magistério vivo da Igreja, cuja autoridade se exerce em nome de Jesus.
Não é fácil perceber os acontecimentos com os olhos dos evangelistas pelo largo intervalo de tempo que nos separam e pela variação cultural. Porém olhando para os evangelhos de Marcos, Mateus, Lucas e João é possível Ter uma visão da realidade do povo, de como eles olhavam para Jesus e qual a sua visão de Igreja, etc.
Os sinóticos nos apresentam elementos fundamentais que nos ajudam a compreender a missão de Jesus. Numa visão pastoral, percebemos que Jesus aparece como quem se sente profundamente comovido pela dor alheia, reage diante dela salvificamente, tornando sua reação como critério último de toda sua prática. A misericórdia de Jesus não é um mero sentimento mas, é uma reação, uma atitude, uma prática primeira, última, fundamental que tem a ver com Deus; é algo teologal e não puramente ético ou moral. Hoje, assumir esta postura é assumir a causa do Reino de Deus, como projeto de vida plena. A Igreja assume a prática da “misericórdia” como algo fundamental em sua existência, ante o sofrimento do mundo e do homem como critério primeiro de sua ação. Tal postura é válida para vivermos nossa fé na salvação e resgatar o verdadeiro sentido da dignidade humana ou mesmo resgatar o homem pelo homem, como fez Jesus. Também percebemos algumas práticas de Jesus, como os milagres, que se apresentam como sinais, mesmo que não tragam soluções globais para a realidade oprimida, mas são sinais da aproximação de Deus gerando esperança de salvação, que precisam ser atualizados por nossa prática cristã. Vale a pena ressaltarseu valor benéfico em favor de alguém ou de algo, que precisa ser  libertado e que gera esperança por manifestar que as forças dominantes podem ser derrotadas. Nos evangelhos a salvação aparece como uma realidade concreta presente na vida cotidiana como são as opressões que afetam a vida e o corpo. Os evangelhos apresentam uma boa-notícia; o próprio Jesus, como Dom de Deus é o novo do anúncio, a “graça de Deus”.  Os sinóticos, quando se referem aos pobres, consideram “uma realidade” e não somente pessoas ou grupos. Hoje a Igreja faz uma opção preferencial pelos pobres, mas essa prática foi assumida por Jesus e antes dele, pelos profetas com raízes no próprio Deus.
É na comunidade que se faz a experiência da ressurreição, é nela que Jesus se faz presente. Assim como os primeiros cristãos devemos saber fundamentar a nossa vida na Palavra de Deus.  Palavra viva; Palavra que Jesus, “hoje” nos revela através da palavra escrita dos evangelhos.


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